Emergent Ecologies
Beneficiamento e Comercialização
Catagem
Após a pesca ou captura dos pescados, é preciso beneficiá-los antes de sua comercialização. Apenas em 2009, com a LEI Nº 11.959, foi que as atividades de beneficiamento dos pescados, assim como técnicas artesanais de feitura e manutenção de ferramentas de pesca, foram incluídas como atividades pesqueiras. Tais atividades, são em geral desenvolvidas por mulheres, e é por isso que só após a Lei 11959, foi que muitas mulheres que já trabalhavam na atividade pesqueira com o beneficiamento, passaram a serem reconhecidas como pescadoras e acessarem direitos específicos da classe pesqueira. O beneficiamento de pescados na RESEX de Canavieiras pode se dar a partir de diversos acordos, que podem variar devido à espécie, as relações entre as partes, e os interesses e condições pessoais dos envolvidos. A expressão é catar, e se pode se referir a catar o aratu, caranguejo, siri e o camarão, ou seja, separar a casca da carne.
Associação de tiradores e catadeiras de caranguejo de Canavieiras
Camarão
No caso do camarão em geral, existem os proprietários (as) de barcos, que custeiam os gastos para a saída do barco (gelo, gasolina, água) com pescadores. O número de pescadores varia conforme o tamanho do barco, mas em geral, barcos médios levam de 2 a 3 pescadores. Quando retornam, pela tarde os pescadores recebem do(a) proprietário(a) do barco em média R$7,00 pelo kilo do camarão, porém do montante total são descontados os investimentos iniciais de gelo e gasolina. Os camarões são mantidos em caixas de gelo até o dia seguinte, para serem beneficiados. Após essa fase, o (a) proprietário (a) do barco avisa às catadeiras que no dia seguinte chegam cedo, já que elas também recebem por kilo, e então quanto maior o tempo de trabalho, maior sua remuneração.
Camarão em processamento
A limpeza do camarão combina diferentes possibilidades: Se a limpeza é feita primeiramente na máquina, as catadeiras só limparão o que a máquina não separou, então recebem cerca de R$1,50/kg e a operadora da máquina receberá R$1,00/Kg. Caso a limpeza seja feita sem o auxílio da máquina, fato que ocorre cada vez menos, as catadeiras recebem R$3,00/kg. Também existe o “maluquinho”, um tipo de catagem que é apenas retirar a cabeça do camarão e deixar as cascas, em geral utilizado por baianas de acarajé, este tipo de catagem custa R$2,00/ kilo, já que não pode ser passado na máquina.
Limpeza do camarão - Etapa 1
Essa é a regra geral de remuneração e acontece especialmente no bairro de Pedro Menezes, localizado ao lado do Porto onde desembarcam os barcos, o bairro concentra grande parte dos espaços em que acontecem as limpezas do camarão. A exceção à essa regra acontece na Unidade de Beneficiamento de Belmonte, em que as catadeiras recebem R$5,00/kg (US$1.0 /kg) beneficiado sem máquina, e ainda trabalham com EPI, mesas, cadeiras e condições de higiene muito superiores às condições de trabalho das catadeiras de Pedro Menezes, em geral submetidas a muitas horas de trabalho, mal sentadas e sem apoio EPIs adequados, o que acaba por causar-lhes muitas doenças.
Peixe na parede
Os principais impactos destas condições de trabalho se manifestam: na coluna, já que a maioria das mulheres apresentam muitas dores lombares devido a postura sentada em bancos baixos e curvada sobre o balde em que catam; e inflamações cutâneas já que é costumeira utilização do sulfito de sódio misturado ao gelo para reduzir o escurecimento dos camarões e prolongar sua durabilidade. O contato direto e constante com o sulfito pode acarretar irritações na pele, e causa o afinamento da pele, gerando inclusive a perda de digitais, muito frequente entre as catadeiras de camarão. Após limpos, os camarões são novamente lavados, ensacados, selados e congelados para comercialização.
Como a renda varia conforme a produtividade, a remuneração dessas mulheres varia entre 8kg/dia para a catagem das menos experientes e 15kg/dia da catagem das mais experientes e ágeis, caso haja toda essa quantidade a ser beneficiada. Isso representa algo entre R$12,00 e R$30,00 pelo dia de trabalho em Pedro Menezes e R$40,00 e R$75,00 na unidade de beneficiamento de Belmonte. Na comercialização a proprietária dos camarões vende a R$25,00/kg para o chamado atravessador, comerciante que passa de porta em porta comprando mariscos para revender em outras cidades. Este mesmo Kilo será revendido entre R$40,00 e R$60,00 aos lojistas e donos de peixaria, e chegará ao consumidor final com o custo entre R$70,00 e R$90,00/kg.
Aratu, siri e caranguejo
Caranguejos sendo catados na Unidade de Beneficiamento de Belmonte
O Aratu é a espécie principal tanto na captura quanto na catagem feminina. O siri também é comumente capturado por mulheres, porém o caranguejo, em geral, trata-se de uma captura masculina, apesar de também haverem mulheres nesse tipo de captura. Já a catagem acontece majoritariamente entre mulheres e pode ocorrer a partir de diferentes acordos:
No caso das mulheres que capturam, existem as seguintes possibilidades,
elas podem catar suas próprias capturas, ou podem pagar a outra mulher que cate. Pagar a alguém para catar significa mais tempo para ir ao mangue capturar mais, e/ou não ter que catar, trabalho que demanda muitas horas sentada, e com movimentos repetitivos nos dedos em contato frequente com casos duros e cortantes, e que geram dores lombares, dores e inchaço nos dedos e articulações e irritações e feridas nos dedos.
Já as mulheres que apenas catam, podem catar o de familiares ou conhecidos em regime de meia, que representa dividir a produção final na metade entre pescadora e catadeira, ou serem remuneradas pela produção, nesse caso recebem em geral R$15,00/kg.
A decisão de capturar e/ou catar é tomada por diversas motivações, a preferência pessoal é um dos grandes orientadores desta escolha, existem as mulheres que preferem capturar, gostam de estar no mangue ou não gostam de catar; existem as mulheres que não gostam de capturar pois não se sentem bem no mangue, tem dificuldade na captura e/ou gostam de catar, existem ainda as que não podem ir ao mangue devido a filhos pequenos que precisam de cuidados e as impedem de sair por muitas horas de casa, ou problemas de saúde, muitas vezes inclusive adquiridos pela ida frequente ao mangue. Nestes casos, apesar de gostarem mais da captura, estas mulheres catam por falta de opção.
Catando Aratu
Em média as catadeiras afirmam que catam o quanto tiverem, devido a dificuldade de armazenamento, e a urgência no congelamento dos mariscos é comum elas afirmarem que as vezes começam pela manhã e só acabam tarde da noite. A quantidade catada varia conforme a quantidade pescada, que é influenciada por diversos fatores como períodos de proibição de pesca devido ao ciclo reprodutivo do animal, condições climáticas, e apropria quantidade de animais no mangue que ve diminuindo consideravelmente nos ultimos anos, como afirmam muitas pescadoras, mas em um média, considerando dias bons e dias ruins, em um mes típico uma catadeira produz cerca de 40kg de catado, ou seja a remuneração delas fica em torno de R$600,00 por mês de catagem, sendo que tanto na pesca quanto na catagem não existe final de semana ou feriados, trabalha-se conforme a necessidade e as possibilidades que o mangue oferece.
Depois de catados os mariscos são lavados, ensacados, pesados e congelados para comercialização que também se dá pelos atravessadores que compram o kilo do aratu a R$50,00, revendem a R$60,00 e o aratu chega ao consumidor final entre R$70,00 e R$80,00/kg. Um kilo de siri catado é vendido em geral a R$45,00/kg para o atravessador e chega ao consumidor final entre R$60,00 e R$80,00/kg. O caranguejo catado é vendido ao atravessador a R$50,00/kg e chega ao consumidor final a um valor entre R$80,00 e R$90,00.
Aratu pronto para comercialização
Peixes e camarões chegando do mar
O trabalho de beneficiamento representa para essas mulheres uma chance de sobreviverem em meio às misérias, mas uma vida dura. Por um lado, são gratas aos ensinamentos de suas mães sobre a catagem, que lhes permitiu viver e criar seus filhos em tempos difíceis, em que a presença estatal não existia. Sem escola, sem outras possibilidades, catar foi o que lhes permitiu viver. Essa é única forma que conheceram, e então, como muitas me disseram, aprenderam a amar essa vida, essa profissão. Por outro lado, agora em outros tempos, em que com uma atuação mais próxima de governantes e da AMEX que lhes dão apoio na conquista de direitos, essas mulheres desejam outras vidas a suas filhas. A relação de gratidão pelo que receberam do mangue lhes ajuda a sentir prazer na vida que possuem entre as galhas de mangue e bacias de catagem, já que é a vida que viveram, que receberam de seus pais e lhes permitiu sobreviver, mas ao mesmo tempo, não foi escolha, e a possibilidade de escolha, colocada pelas conquistas de direitos as fazem sonhar outras possibilidades para suas filhas.
Além disso, a própria juventude já não se posiciona da mesma forma, se em suas infâncias essas mulheres acompanhavam suas mães já bem novas a catagem, e ali começavam sua vida laboral muito cedo, a juventude hoje em dia, não quer acompanhá-las, estão nas escolas que agora são mais acessíveis, ou estão sonhando com muitas outras possibilidades de vidas que conhecem através das novas tecnologias e globalização.
Comercialização
A grande dificuldade na comercialização dos pescados é um dos grandes responsáveis pela precariedade na remuneração de pescadoras e marisqueiras. Como muitas vezes ouvi na RESEX de Canavieiras, apesar da queda na quantidade de mariscos que são atualmente capturados, ainda existe muita quantidade e capturá-los não é o problema, mas sim vendê-los. A grande questão são as condições de estrutura e processamentos exigidas pelo governo Federal para a aquisição do SIF - Selo de Inspeção Federal, que autoriza a comercialização de produtos de origem animal no território federal.As exigências envolvem, estruturas físicas com condições específicas (superfícies, ventilação), maquinários, EPI’s, condições de armazenamento e transporte que estão muito distante da realidade destas comunidades. Em um lógica inversa, o poder público impõem condições de qualidade aos trabalhadores que deveriam ser oferecidas pela máquina estatal, garantindo a qualidade não só dos produtos, mas a segurança e as boas condições de trabalhos para pescadores e marisqueiras.
Valor e qualidade
A imposição de um selo de qualidade inalcançável sem apoio governamental, alimenta um mercado informal, a partir da participação de atravessadores que se arriscam na distribuição de mariscos ilegais, e lucrando alto em cima disso. Por outro lado, pescadores e marisqueiras, sem possibilidades de comercialização oficial que valorize mais seus produtos e seu trabalho, acabam vendendo a preços muito baixos para não perderem os mariscos, e assim recebem remunerações injustas e insuficientes. A baixa remuneração gera uma sobrecarga de produção para tentar aumentar os ganhos, e assim, sobrecarregam seus corpos no mangue e no beneficiamento desenvolvendo doenças diversas pelo excesso de trabalho em más condições.
É comum ouvir entre os pescadores que os atravessadores enriquecem às suas custas.
A urgência de estruturas como a Unidade de Beneficiamento de Belmonte que lhes permitam melhores condições de trabalho e remuneração digna por seus esforços é fundamental para a saúde dessas comunidades pesqueiras.