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Comunidades do Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape
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Placa de sinalização na entrada da estrada que leva às comunidades

Na parte Noroeste da Resex encontram-se as comunidades que formam o Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape, pertencentes ao Município de Cachoeira. Essas Comunidades possuem um importante histórico de organização política e luta pelos direitos dos povos quilombolas da região.

Dentro do Conselho quilombola, o Núcleo Marias Felipas é a organização que trata das questões voltadas exclusivamente às mulheres, e portanto foi através dele que recebemos as indicações de nossas pesquisadoras de campo dessa região: Agda e Luciane.Duas irmãs, quilombolas, marisqueiras, apicultoras, agricultoras, ostreicultoras, guias de turismo, professoras e mães. 

É através da experiência, do olhar e da sensibilidade dessas mulheres que aprendemos sobre a pesca artesanal feminina na parcela noroeste da Reserva Extrativista Marinha da Baía do Iguape.

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Agda  de Jesus

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Luciane Cruz

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Dentre as 18 comunidades que compõem do Conselho quilombola, da Bacia e Vale do Iguape, 4 delas possuem como atividade central a pesca e mariscagem, já que as outras, devido à distância do mangue, voltam suas atividades a outras formas de cultivo e extração como apicultura e agricultura de subsistência. Assim, Engenho da Praia, Engenho da Ponte, Kalembá e Dendê, foram as comunidades em que essas pesquisadoras desenvolveram seus campos de pesquisa etnográfica.

 

O Sururu  é o marisco mais pescado na região na pesca feminina e figura como elemento  central da alimentação das famílias pesqueiras,mas  é também comercializado. Além dele, existem também, outras formas de pesca como  a extração das Ostras nas Camboas e o cultivo dessas em travesseiro; a pesca de peixes pequenos na camboa;  a pesca do Mirim, que é cavado na lama; captura de Caranguejos com as mãos nos buracos; e o Camarão pego nas camboas de jerereré, ou de rede….

 

Essas diversas formas de pesca utilizam-se de diversas ferramentas, e técnicas de pesca,  conservação e preparo. Mas além disso existem outras dimensões dos saberes sobre a pesca, a sabedoria ancestral transmitida de geração em geração através da  oralidade sobre ciclos reprodutivos, lunares e de marés; e a conexão espiritual com esse território e as energias que o compõem, são fundamentais para alimentar a fé no mangue e providência divina no “Supermercado de Deus”.

Dani catando Sururu - Comunidade Kalembá

Supermercado de Deus: Camarão, Caranguejo e Cavar o Mirim

Dona Juvani Mãe de Santo do Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra - Comunidade Kaonge

Dona Juvani, marisqueira, professora e fundadora da Escola São Cosme Damião na Comunidade quilombola do Kaonge em Cachoeira, Mãe de Santo do Terreiro 21 aldeias, localizado no quilombo do Kaonge, Mestre Griô e matriarca da família Viana, afirma sua devoção às mães das águas. Mantendo seu compromisso, todos os anos, entrega presentes a Oxum, mãe da água doce, à Iemanjá, mãe da água salgada, dos mares e marés, e a Nanã, a lama da qual tudo nasce. 

“A Ostra, e Sururu… tudo que vem de Deus, tudo é criado na lama, por isso devemos agradecer e cuidar!”

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Estátua de Yemanjá em Santiago do Iguape. 
Protetora das águas e dos pescadores.

A relação espiritual com as forças do manguezal fortalecem o afeto e o respeito por este ambiente que provê seus sustentos. Por isso, a fartura do mangue é sempre destacada como divina, o respeito e cuidado pelo manguezal são sempre mencionados como contrapartida para a continuidade dessa relação, e o afeto pelo fazer (ir ao mangue mariscar, cozinhar) e o vínculo afetivo de comer as comidas tradicionalmente preparadas a partir destes mariscos, são os grande motivadores dessas mulheres. O desejo de ir ao mangue mariscar alimenta e ao mesmo tempo é alimentado pelo viver do/no mangue.

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A expressão Supermercado de Deus é amplamente utilizada entre as marisqueiras  da Região do Conselho quilombola. Tal expressão refere-se ao mangue e trata da fartura e diversidade alimentar disponibilizada por este, de maneira tão divina.  A abundância de mariscos, bem como a certeza de encontrá-los é valorizada pelas famílias que sentem a segurança de sua alimentação nesses ambientes e são gratos por ela:​

“Agradecendo a Deus e Dona das águas - Iemanjá, Nanã, Oxum, que graças a Deus fornece todo esse pescado pra gente. De graça, a gente só vai lá colher, tem muito que agradecer, nem todo mundo tem esse privilégio de ir lá pegar e comer. Somos ricos das graças de Deus e da Natureza!"

Comidas do Supermercado de Deus- Mirim, Baiacú, Ostra, Sururu e Camarão

No supermercado de Deus encontra-se Sururu, Caranguejo, Siri, Camarão, Peixe, Ostra e tantos outros mariscos. Com eles faz-se escaldados, moquecas, pirões além das produções para comercialização. O Camarão pode ser pescado de rede ou de jereré na camboa. Nas redes que são colocadas um dia e retiradas no seguinte, é importante atentar para o tamanho da malha, evitando pegar os pequenos, e deixando que cresçam e se reproduzam. Ambas as técnicas exigem uma pausa durante o período de defeso em que estão em fase de reprodução e não devem ser capturados de forma alguma. O Camarão pode ser comercializado no kilo congelado, ou preparado através do processo de secagem artesanal para ser vendido no litro. Neste caso, em geral, seu uso é destinado a baianas de acarajé e festas de Caruru.

Dona Nega - comunidade Kaonge

Escaldando Ostra com Noca - Comunidade Engenho da Praia e Pegando Sururu com Selma, Uka, Mayane e Jaqueline - Comunidade Engenho da Ponte

Escaldado de Sururu

O escaldado é um prato típico da região. Com infinitas possibilidades de misturas, o escaldado é a combinação de mariscos, temperos e verduras disponíveis. Em geral, coloca-se quiabo, pimentão, quioiô, sal e os mariscos que conseguirem pegar naquele dia. Porém, o desejo também é ingrediente importante, pois já saem de casa com desejo de um escaldado de sururu, ou de ostra, ou de caranguejo, e assim, vão em busca do marisco que desejam para a receita daquele dia. Porém, outras espécies que surgem ao longo da busca, são muito bem vindas e complementam o sabor da receita. 

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Escaldado de Sururu, Ostra e Siri

Assim, a saída motivada pelo desejo do prato, muitas vezes se dá acompanhada de outras marisqueiras e seus filhos para uma mariscagem rápida que não visa a colheita para comercialização, mas sim para satisfazer o vínculo afetivo que alimentam com tal receita. Recolhem o necessário no mangue para a receita, e retornam para casa. Lá fervem os mariscos, catam, e em seguida fazem o preparo da refeição, em fogão de lenha montado no chão do quintal de casa. Comem acompanhado de pirão que é feito da água do escaldado com farinha de mandioca, em família e entre amigas/parentes.

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​Noca escaldando Ostra

OSTRA

A Ostra pode ser produzida a partir de duas técnicas diferentes, a primeira é a extração das Ostras que se reproduzem naturalmente nas camboas (estrutura de paus construída dentro da maré e que servem para prender peixes e mariscos). 

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Balde de Ostra na cabeça

Este tipo de Ostra é extraída da camboa com facão ou ferro e colocadas em baldes, posteriormente transportadas em Cangaias que são espécies de cestos fixados aos animais de transporte até a comunidade. Lá são aferventadas ou “escaldadas” na linguagem local, e depois retiradas da casca ou “catadas”, coletivamente, já que a prática do trabalho coletivo solidário é a mais comum na região. Assim, marisqueiras e pescadoras auxiliam uns aos outros em seus processos de beneficiamento, e são também ajudados. Após escaldadas e catadas as ostras de camboa são ensacadas por kilo e comercializadas, especialmente por atravessadores, já que não possuem ainda formas de escoamento mercantil eficazes para dar vazão à produção. A Festa da Ostra inclusive, evento anual que está em sua décima sexta edição, foi criada a partir da necessidade de dar vazão à produção de Ostra da região, e acabou se tornando um evento nacionalmente conhecido e apreciado.

Luciane andando na lama do mangue - Comunidade Dendê

Outra forma de produção da Ostra  é a chamada Ostra de dúzia, cultivada em “travesseiros” - espécie de sacos feitos com diferentes larguras de trama para cultivar Ostras em unidade. Essa Ostra do coletor é produzida em um processo que dura em torno de 6 meses, da seguinte forma:

"Pegamos uma garrafa cortamos em 2 banda aproveitando as bandas e o pescoço e a tampa da garrafa,  depois pegamos  essas banda de garrafa furamos, enfiamos no cordão colocando o pescoço ou a tampa para separar as garrafas  para as ostras se desenvolverem, depois amarramos em uma vara e levamos para o mar e deixamos lá para pegar sementes de  3 a 4 meses. Quando essa semente está boa de tirar, vamos até as bancadas no mar com a canoa, pegamos esses coletores e colocamos dentro da canoa. Pegamos as bandas das garrafas e torcemos e todas as ostras  se soltam das garrafas. Aí pegamos essas sementes, colocamos em um travesseiro de malha menor e levamos pra bancada pra ela se desenvolver e crescer. Depois voltamos até as bancadas no mar, onde ficam todos os criatórios de ostra, pegamos os travesseiros e vamos fazer a limpeza da  ostra. Colocamos os óculos para proteger os  olhos  das cracas ou das cascas das mesmas, que quando batemos o facão na casca dela, às vezes, voa pra todo lado. Por isso é importante o uso do óculos  na  limpeza das ostras. Após ela limpa, contamos as grandes, que são  de 7 cm, que  já estão em ponto de venda e são separadas das  miúdas de 3 a 5 centímetros que colocamos no travesseiro de malha maior, e levamos de volta para o mar."

As ostras de dúzias podem ser consumidas cruas, ou assadas e são vendidas em dúzia, cruas, dentro de suas cascas, por isso exigem uma comercialização mais eficiente.

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Demonstração das Ostras em travesseiros nas bancadas 

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Ostras escaldadas para serem catadas

Catagem coletiva da Ostra - Comunidade Kalembá

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Luciane e seu sobrinho Alexandre

Ferramentas

As ferramentas utilizadas para  a mariscagem na região variam conforme as espécies que desejam pegar,  e as condições sociais de cada marisqueria, mas em geral, com poucas ferramentas é possível retirar grande diversidade e quantidade de espécies dos mangues. Idealmente para ir ao mangue é necessário um sapato apropriado para proteger os pés e auxiliar na movimentação na lama, além disso, calças compridas, blusas de manga com proteção UV e luvas de proteção. Porém, essa estrutura é custosa e então, as marisqueiras se adaptam como podem, utilizando roupas velhas, sem as proteções devidas e sapatos feitos de calças velhas. Além disso, como repelente utilizam óleo diesel ou kerosene para afastar os mosquitos.

Sapato de ir pro mangue

O facão é muito utilizado na retirada das Ostras, sendo que algumas pessoas também o utilizam para retirar o sururu e outros mariscos. O facão frequentemente é um facão de agricultura já gasto,  que depois de muito usado e amolado, reduz em tamanho e muda sua utilidade para a retirada de mariscos no mangue.

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O Jereré é utilizado para pegar peixe, siri, e camarão nas camboas. 

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O coifo é utilizado para transportar os pescados, assim como o balde e o balaio que é deixado na canoa em que serão jogados os pescados que foram acumulados no coifo. Lá são lavados na água da maré, retirando parte da lama e reduzindo seu peso para o transporte.

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O transporte acontece na Cangaia, que são especies de bolsões pendurados no animal de transporte (em geral mula ou burro) e nele serão levados até as casas. ​

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Panelas e caldeirões servem para cozinhar os mariscos, em geral as Ostras como são volumosas são cozidas nos caldeirões grandes, de onde serão catadas. As panelas menores servem para a feitura de escaldados de mariscos já catados. Os travesseiros são sacolas ou chamados “gaiolas”,  feitas de malha para o cultivo das Ostras de dúzias. 

Dona Edith - Comunidade Kalembá

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Ferramentas de mariscagem e espécies.
Ferramentas: Travesseiro, balde, jereré coifo, balaio, facão, luvas e sapatos feitos de calça jeans.
Espécies: Sururu, camarão, caranguejo.

São muitos instrumentos, que variam devido às condições sociais das marisqueiras, porém, pode-se dizer, que no mangue é possível mariscar qualquer um, tenha bons instrumentos, ruins, ou nenhum, já que até mesmo com as mãos e quaisquer itens já se pode pescar alguns mariscos. Assim o mangue oferece garantia alimentar para qualquer um, e mantém a sobrevivência dessas comunidades.

Secando Camarão

Cavando Mirim

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