Emergent Ecologies


Ponta de Souza, Coqueiros e Najé
Serra Grande is a small town located in the Uruçuca municipality with approximately 6,700 inhabitants. It is located in the southeast part of Bahia known as the “Cacau Coast.” Serra Grande has seen its population triple in the last twenty years, due in part to a construction of the BA-001 highway, which passes through the town, connecting it to the lhéus airport and to the tourist destinations of Itacaré and Maraú. Located within the Itacaré-Serra Grande Environmental Protection Area and surrounded by the Atlantic Ocean to the east, Serra do Conduru State Park to the west and the Lagoa Encantada Environmental Protection Area to the south, Serra Grande has also become an conservation stronghold. In 1992, the Atlantic forest native to the area was recognized by the New York Times as being one of the most biodiverse places on the planet.

Mangue de areia na região de Ponta de Souza

As transformações na paisagem e modo de vida na região são descritas a seguir pela pesquisadora Daiana dos Santos. Coordenadora da Associação Comunitária Beneficente dos Pescadores do Bairro de Ponta de Souza, mestranda no curso de Política Social e Território e marisqueira. Através de entrevistas com muitas mulheres da região, e sua longa experiência na luta pelas comunidades pesqueiras, Daina apresenta a seguir as diversas transformações e conflitos vivenciados pelas marisqueiras no território.

Daiana dos Santos
Um exemplo dessas transformações é o aterramento de uma grande faixa de mangue em 2021, ordenado pelo prefeito da época, para produzir uma praia artificial e promover o turismo e o lazer na comunidade. Tal feito impactou fortemente os pesqueiros da região e assim os suprimentos das famílias pesqueiras. Na região, a pesca de peixes embarcados e a mariscagem de mariscos de areia na coroa, como chumbinho, mapê, sururu e outros moluscos, é muito forte e produz não só a alimentação principal destas famílias mas uma fonte de renda mínima para sua sobrevivência.

Estrutura criada às margens da baía aterrando o mangue para a construção de restaurantes e bares
Já nas comunidades de Najé e Coqueiros, que felizmente conseguiram recentemente o RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação) como quilombolas, estão sofrendo um aterramento de mangue causado pela própria comunidade, que por não ter mais onde morar, se espremem entre o mangue e a pedreira que cerca as comunidades. Essa defasagem de moradia, deve-se ao grande crescimento demográfico que vem ocorrendo na região, tanto devido ao aumento das famílias, como a grande migração de forasteiros para o trabalho na construção de empreendimentos, como a Enseada Paraguaçu, e que acabam por se estabelecer no território mesmo findando o trabalho. Nestes casos, a pesca torna-se cada vez mais praticada, pois é aprendida pelos que chegam e torna-se a garantia alimentar da maioria dos que ali habitam. A pesca de gaiola, muito comum na região, é majoritariamente masculina, já que demanda governar e possuir canoas, assim, as mulheres, muitas vezes, ocupam o lugar de beneficiamento do siri pescado pelos homens.

Canoas com gaiolas de pegar siri

Proteção ambiental x vida extrativista
“Preservar o mangue é essencial, mas até que ponto essa preservação preserva a vida do pescador? A gente sabe cortar e o mangue voltar, o estaleiro do Paraguaçu cortou o equivalente a 20 campos de futebol de mangue, cadê a fiscalização? Aí o pescador tira um galho de mangue para cozinhar o pescado e é acusado de ir contra a natureza. O que é ir contra a natureza? É nosso saber ancestral? Ou é essas empresas que tiram tudo?”

Manguezal denso nas margens da Baía de Ponta de Souza
Tânia, marisqueira experiente da região, relata que o manguezal está alto demais fazendo com que a lama fique mais funda, e dificulte a entrada ao manguezal. Assim como algumas espécies de pescado estão sumindo pelo fluxo das águas doces vindas da Barragem Pedra do Cavalo. A marisqueira relata que quando se abrem as comportas e o mangue é inundado por água doce, alguns pescados demoram para voltar a se reproduzir na região.A dessalinização da área de mangue contribui para o adensamento do manguezal e queda da proliferação dos mariscos.
O adensamento do mangue e os impactos na vida pesqueira
Dona Ina, outra marisqueira muito experiente da região, também reclama do aumento do manguezal, já que antes se retirava a madeira para construção de casa, para o uso de fornos a lenha, além da Olaria que funcionou durante muitos anos na região, e foi fechada com o estabelecimento da Resex. Para Dona Iná, a retirada de madeira, propiciava espaços abertos nos manguezal, crateras que deixam a lama quente e propiciam mais mariscos e crustáceos, o que chamamos de manejo sustentável tradicionalmente praticado pelas comunidades tradicionais. Hoje com a proibição de retirada do manguezal, a vegetação está muito alta e não tem brechas para o sol entrar, por isso a lama está funda, mais difícil de se locomover, com mariscos menores e em menor quantidade. Além de propiciar a proliferação de fungos que geram coceira nas marisqueiras. A forma que a água da barragem Pedra do Cavalo é jogada no rio, também atrapalha a lama do manguezal deixando a lama podre e com o cheiro muito forte e ainda mais funda, o que gera medo nas mulheres de ficarem presas sem conseguir sair do mangue.


Mariscos de areia na coroa
Uma das formas de mariscagem feminina ainda muito forte na região, é a mariscagem nas coroas, que afloram com a baixa da maré. Em grupos, essas mulheres se organizam para irem juntas, mariscam, retornam para a comunidade e beneficiam os pescados pela tarde, tudo feito em conjunto.

Mulheres mariscando chumbinho na coroa - mangue de areia

O dia das mulheres marisqueiras começa bem cedo, antes mesmo de amanhecer para se prepararem para a mariscagem. Muitas vezes antes de saírem, essas mulheres precisam deixar comida para maridos que vão embarcar, ou familiares que permanecerão na casa em sua ausência. As 5 horas da manhã já estão no caminho para o manguezal quando a maré é “cedeira” e as coroas serão expostas com a maré vazante logo cedo. O Chumbinho é um dos principais mariscos pescados nas coroas (mangues de areia). Existem duas formas de mariscar o chumbinho, uma delas é dentro da maré ainda cheia, tateando com as mãos dentro da água, antes de aflorarem as coroas de areia, com a secagem da maré.Quando as coroas afloram, as pescadoras utilizam a segunda técnica de retirada do chumbinho através do uso de enxadas e raspadores. O chumbinho é um marisco que tem vários nomes: bebe fumo, sarnambi, conchinha… Mas o nome chumbinho refere-se ao seu peso que é grande, e que reflete em grande esforço para transportá-lo após a maricagem.
O Mapê um marisco que é pego de enxada na areia e ou no manguezal. Sua pescaria é feita com a maré baixa e bem seca, pois ele é um marisco ágil e na presença da água ele foge rapidamente. É necessária grande sabedoria para identificar onde estão, através de pequenos buracos na areia.

Catando Mapé


Siri de jereré de roda

Eliene - pescadora de siri de Jereré de roda
Essa pesca é feita entre mulheres e homens, e pode ser feita embarcada e desembarcada. No caso das mulheres, que em geral, não pescam embarcadas devido ao vínculo com os cuidados domésticos e de familiares, a pesca é feita nas beiradas das coroas e entre os riachos na baixada da maré. Hoje é uma pescaria pouco praticada, pois com a modernidade, a construção das gaiolas para pesca do siri, foi substituindo esta que é a forma tradicional de pesca do siri. A pesca do siri de jereré de roda é importante pois faz o manejo do pescado, selecionando os siris maiores e preservando os menores, garantindo o manejo sustentável da espécie. Além disso é um tipo de pesca acessível às mulheres, já que independe da embarcação geralmente possuída e conduzida por homens, e do embarque, geralmente inviável para mulheres que são responsáveis pelos cuidados domésticos e familiares.

Outra questão é que as gaiolas demandam maior investimento inicial na sua compra ou feitura e depois exigem mais mão de obra para o beneficiamento pois pescam em maior quantidade. Tudo isso vem afastando as mulheres da pesca do siri e colocando-as apenas no beneficiamento do marisco. Nesse sentido, a pesca do siri de jereré de roda pode ser descrita como um ato de resistência feminino na pesca, no equilíbrio ambiental, e contra a lógica produtivista.
Pescando Siri de jereré de roda


Orgulho de ser mulher marisqueira
Marinalva Caldas dos Santos, 56 anos, já aposentada, conhecida como Ina, traz seu relato de vida como mulher marisqueira, seu processo de aprendizado da arte de pescar e de conhecer as marés e as coroas. Sua rotina árdua de trabalho, que lhe causou uma doença óssea justificada pelo excesso de peso e o esforço do trabalho. Dona Ina lamenta os preconceitos sofridos ao longo de sua vida, devido a sua profissão. No parto dos seus filhos teve que esconder sua profissão, pois “não tinha valor, não se tinha direito a acessar as políticas sociais”, não se podia dizer que era pescadora ou marisqueira, pois se tinha medo dos olhares das pessoas. Mas ela afirma que nunca teve vergonha, e hoje diz com muito orgulho que é pescadora e marisqueira. Hoje mesmo como marisqueira aposentada não deixou de ir para maré:
“Não posso ficar desacostumada com o que me alimentou a vida toda, e estar na maré relaxa a mente e tira os pensamentos ruins. Alimentamos o corpo e a alma.”
Bura, mulher marisqueira, aos seus 53 anos, mãe solo de 5 filhos criados na labuta do trabalho da maré. Foi a maré o seu sustento e sua força para não desistir e ter uma vida digna. A vida na pesca antes era muito desvalorizada, pois apesar de existir uma maior quantidade de pescados, o valor era muito baixo e hoje mesmo se tendo menor quantidade de pescados,tem-se mais valor. A marisqueira equivale a valorização dos mariscos no mercado à valorização de sua profissão, que a partir do reconhecimento como ofício e legalização pelo governo, propiciou mais respeito à estas mulheres e acesso a direitos. O trabalho árduo da mariscagem, lhe ocasionou uma lesão no joelho que hoje lhe causa muita dor e lhe atrapalha a se locomover não podendo mais ir ao manguezal.​​

Dona Bura
Tania, 46 anos, nunca sentiu vergonha em dizer que é mulher marisqueira. Seu trabalho e sustento é sua garantia de vida, e por isso ensinou a filha a pescar, assim como sua mãe fez com ela. Isso é necessário para garantir um futuro incerto na vida de quem vive em comunidade pesqueira.
Tania mariscando chumbinho


Dona Antonia Cerqueira
Senhora Antonia Cerqueira da Silva, conhecida como Tonhazinha, nascida em 06 de agosto de 1917, relata suas experiências com o companheiro na pesca. Mãe de 12 filhos biológicos e 2 adotados, alimentou a todos, com o trabalho da pesca e mariscagem.
Antigamente, como conta, a falta de energia resultava na necessidade de venda rápida dos mariscos e portanto muito barata. Conta também, que não conseguiu se aposentar, já que até muito pouco tempo atrás não haviam documentos comprobatórios para a aposentadoria como pescadora para mulheres, apenas os homens possuíam direitos trabalhistas nessa profissão. Todos os documentos eram feitos em nome do marido. E com isso, ela, uma mulher que nasceu, se criou e criou seus filhos entre as marés e as lamas, sobrevivendo entre os ventos, as chuvas e as marés, não consegue ter uma proteção social em sua velhice. Resultado do machismo da época, onde só os homens podiam se documentar, e as mulheres não tinham direitos.
