Emergent Ecologies


Comunidades Porto da Pedra, Baixão do Guaí e Capanema
Serra Grande is a small town located in the Uruçuca municipality with approximately 6,700 inhabitants. It is located in the southeast part of Bahia known as the “Cacau Coast.” Serra Grande has seen its population triple in the last twenty years, due in part to a construction of the BA-001 highway, which passes through the town, connecting it to the lhéus airport and to the tourist destinations of Itacaré and Maraú. Located within the Itacaré-Serra Grande Environmental Protection Area and surrounded by the Atlantic Ocean to the east, Serra do Conduru State Park to the west and the Lagoa Encantada Environmental Protection Area to the south, Serra Grande has also become an conservation stronghold. In 1992, the Atlantic forest native to the area was recognized by the New York Times as being one of the most biodiverse places on the planet.

Rebeca
Foi através de Janete Barbosa, presidente da Associação de Pescadores e Marisqueiras Guaí Capanema, que encontramos nossa pesquisadora na região. Rebeca Barbosa, filha de marisqueria e atuante em diversos projetos com ONG’s na região, e relata a seguir as questões que vivenciam as marisqueiras de sua região dentro da Resex.













A pesca artesanal na região se dá especialmente em torno de peixes pescados em canoas, majoritariamente pelos homens, e a mariscagem de mariscos de areia como Mapé e Chumbinho, mas também encontram-se mariscos de lama como o Sururu e a Ostra.

Balde de mapé no mangue de areia
A região possui duas Associações de pescadores e Marisqueiras atuando junto às mulheres: Guaipanema e Mariquilombo. A Associação Guaipanema Associação quilombola de Pescadores(as) e Lavrador(as), não é apenas feminina e envolve também a agricultura, já a Associação Mariquilombo é resultado do Projeto “Marisqueiras com orgulho, quilombola para sempre”, criado a partir da Enseada, ONG que executa as compensações da operação do Estaleiro Enseada, complexo industrial construído na região na década de 80 e que gerou desde de então impactos socioambientais diversos nas comunidades de seu entorno. Porém, como destaca uma forte liderança local, a ONG não está comprometida com a garantia da qualidade de vida e direitos das marisqueiras e pescadores, mas sim, na manutenção da permanência do complexo Industrial, sendo o trabalho desenvolvido pela ONG descrito como “apenas enrolação". Um exemplo é a oferta de cursos gratuitos não ligados à pesca, buscando estimular o afastamento de pescadores e marisqueiras de sua atividade tradicional e dos pesqueiros, que vem sendo profundamente impactada com a operação do estaleiro.

Navio desembarcando na Enseada do Paraguaçu
Além da grande área de mangue devastada para a construção do complexo, reduzindo os pesqueiros e alterando o ambiente local, as obras trouxeram diversos impactos sociais com a grande migração de mão de obra de baixa instrução escolar, que findada a construção mantiveram-se na região sem emprego, e tornaram-se também pescadores e extrativistas, gerando grande aumento deste grupo na região. Além disso, o trânsito de navios na região gera impactos na água, a partir de vazamentos de óleo e outros produtos químicos, e ainda impõem o surgimento de novas espécies trazidas nos cascos dos navios e que interferem no equilíbrio ambiental natural da região, gerando inclusive a extinção de outras espécies nativas.

Ponte sobre o Rio Paraguaçu que leva ao Estaleiro Enseada

Aprendizagem
Existem dois caminhos para para aprender a mariscagem, o primeiro deles relatado pela maioria das marisqueiras, é o das que nasceram na comunidade e desde muito jovens, 6/7 anos, já acompanham a mãe à maré, assim vão aos poucos observando e aprendendo na prática desde muito jovens. Outra possibilidade é o caminho percorrido por mulheres que não nasceram na comunidade, e já adultas quando se mudaram para a região, comumente devido a casamentos com homens da comunidade, começam a frequentar o mangue, acompanhando as amigas e assim aprendem a atividade como forma de garantia alimentar com suas companheiras.
É curioso como a garantia alimentar do mangue é fortemente manifestada nas histórias de vida de muitas mulheres, que saíram da região para centros urbanos maiores em busca de trabalho, e ao engravidarem retornaram à suas comunidades para “criar seus filhos”. Essas falas, indicam a representatividade simbólica de segurança alimentar oferecida pelo mangue à essas mulheres.




Saúde da Mulher
O trabalho na maré é antagônico, por um lado existe a garantia do alimento, produção de renda, a acessibilidade, o prazer da atividade de estar no mangue em convívio com as companheiras. Por outro lado, tal atividade cobra caro em seus corpos, gerando impactos graves e irreversíveis em sua saúde a longo prazo. Relatos de trombose devido à força necessária nas pernas para andar no mangue, assim como problemas de coluna, hérnias, bico de papagaio, por manterem-se muitas horas agachadas, são muito comuns entre os relatos das marisqueiras entrevistadas. Além de doenças de pele, e fungos na região pélvica devido ao longo período de umidade a que são expostas.

Posição semi-agachada em que as marisqueiras passam horas catando os mariscos na lama.
Ainda problemas nos dedos das mãos como artrites são frequentes devido ao esforço repetitivo e de muitas horas no beneficiamento dos mariscos. Confusas sobre quais saídas seriam possíveis para melhorarem suas condições de saúde, essas mulheres não cogitam a possibilidade de abandonar o mangue enquanto podem, amam e precisam dele para sua sobrevivência. Quando já não tem mais corpo para irem na maré, mantêm-se no beneficiamento, catando, ensacando e comercializando os mariscos de outras companheiras que ainda conseguem ir. Um atendimento médico especializado, com médicos socialmente preparados para compreender a realidade local e as condições específicas da comunidade, conhecer os esforços típicos de tal atividade e orientar cuidados e prevenções para a redução dos impactos nos corpos dessas mulheres, é a saída para a redução de danos nos corpos dessas mulheres e na melhoria das condições da prática dessa atividade tradicional.











Caminho pelo manguezal

Maré, memórias e mistérios
Ir a maré é um momento de prazer, acompanhadas das amigas, e dos filhos, essas mulheres se divertem, “resenham”, e compartilham aventuras. Se perder no mangue, atolar, e ser puxada pelas amigas, atravessar o rio enchendo e perder todo o marisco pescado, correr de boi… são memórias contadas com afeto, por uma comunidade que compartilha seu amor pela maré. Brincadeiras, momentos de desabafo, ajudas e emoções, constituem parte dessa atividade que não é só econômica, mas que envolve o saber tradicional transmitido por suas ancestrais, que propicia a partilha entre mulheres e a transmissão de saberes a seus filhos além da garantia alimentar. A mariscagem, mesmo com todo seu esforço e impactos na saúde dessas mulheres é uma memória de afeto, de alegria, de gratidão e de autonomia. Mas o mangue exige respeito e sabedoria, além das técnicas para a pesca, é preciso conhecer os mistérios, saber respeitar a força do mangue aqueles que o protegem.

Pegadas no mangue de areia

Altar de Dona Antonia Cerqueira - sincretismo religioso a partir de referências cristãs, e afro descendentes
Dizem que a vovó do mangue não gosta que tirem mais do que precisam. Protetora do mangue, ele “azoneia” quem tira de mais, ou quem não lhe faz um agrado ao entrar no mangue. Azonar é deixar tonto, perdido dentro do mangue, sem encontrar o caminho de volta para a casa. Assim, deve-se sempre levar fumo para agradar a vovó do mangue, pedir licença à ela, e pegar apenas o necessário, para não se perder. A Vovó do mangue, assemelha-se à Caipora, entidade da mitologia guarani, que também vive nas matas para protegê-la e perturbar os que maltratam animais e a floresta. Ela também gosta de fumo como presente. Já Nanã, entidade das religiões de matriz africana, é a entidade que cuida do mangue e da fertilidade do mundo, não é à toa que o mangue é identificado como um berçário da vida. Ela se agrada com flores e frutas, e muitas mulheres lhe levam presentes para ter boa pesca.
As diversas influência culturais afro-indígenas se misturam nesta região, dando nomes diferentes, mas um significado comum, é preciso respeitar o mangue, cuidá-lo, não devastá-lo, não explorá-lo em excesso, e ser grato à tanta diversidade de espécies e à garantia alimentar que ele representa para essas famílias.
