Emergent Ecologies


Comunidades São Francisco do Paraguaçu e Santiago do Iguape
Serra Grande is a small town located in the Uruçuca municipality with approximately 6,700 inhabitants. It is located in the southeast part of Bahia known as the “Cacau Coast.” Serra Grande has seen its population triple in the last twenty years, due in part to a construction of the BA-001 highway, which passes through the town, connecting it to the lhéus airport and to the tourist destinations of Itacaré and Maraú. Located within the Itacaré-Serra Grande Environmental Protection Area and surrounded by the Atlantic Ocean to the east, Serra do Conduru State Park to the west and the Lagoa Encantada Environmental Protection Area to the south, Serra Grande has also become an conservation stronghold. In 1992, the Atlantic forest native to the area was recognized by the New York Times as being one of the most biodiverse places on the planet.






Canoas estacionadas no Porto de Santiago do Iguape e Igreja Matriz ao fundo
Santiago do Iguape é o maior distrito de Cachoeira, no que se refere a densidade demográfica, com cerca de 5 mil habitantes atualmente. Possui na pesca e agricultura as atividades principais de seus habitantes, sendo peixes e siris as espécies mais comercializadas dentre os pescados. A Associação de mulheres quilombolas e marisqueiras do Vale do Iguape, que luta pelos direitos e melhores condições de vida para as mulheres da região, foi a responsável pela indicação de Thaiz Menezes como assistente de campo para o desenvolvimento da pesquisa. Através de sua escrita poética, Thaiz nos apresenta as histórias de superação e luta na vida das marisqueiras da região de santiago do Iguape e São Francisco do Paraguaçu.
Thaiz desce pro mangue, pé no chão.
Com suas mãos tira o sururu da maré.
Pouco basta é pra temperar.
No escaldado o sabor do lugar,
no silêncio do mangue ela se encontra.
A natureza canta, é a sua sombra!
Cada concha um sonho, uma oração.
Pra mesa cheia, cheia de gratidão!

Thaiz Menezes
Siri de gaiola e siri de ganho







The tourism and real estate boom in the region has also created more jobs in the construction industry. With residences, hotels, and commercial space expanding to meet the arrival of new populations, and with a new port project, the Porto Sul, being built just a short distance from the village, demand has increased for labor.
Nativa women have also been drawn to jobs in the service sector as cleaners, cooks and nannies and no longer have time to fish.

Sueli preparando as gaiolas na canoa
A rotina de Sueli começa cedo, muitas vezes ao amanhecer ela prepara suas gaiolas de siri, feitas de materiais simples, mas eficazes, e as posiciona em locais estratégicos do rio. Essas gaiolas são equipadas com iscas cuidadosamente escolhidas e deixadas submersas, aguardando a captura dos siris de um dia para o outro.
Pesca de gaiola em Santiago do Iguape
A técnica exige paciência e um conhecimento profundo das marés e dos hábitos dos siris. Trabalhar com siri em gaiolas é um processo demorado, pois Sueli precisa esperar o tempo certo para que as gaiolas estejam cheias. Muitas vezes, ela enfrenta os desafios das condições climáticas e das mudanças nas marés. No entanto, a espera compensa quando ela retorna ao local no dia seguinte, recolhendo uma boa captura, essencial para o sustento de sua família e da comunidade.
Com o passar dos anos, Sueli percebeu mudanças nas marés. O que antes era previsível e estável, agora está mais incerto devido a alterações no clima e interferências humanas, como a construção de barragens. Essas mudanças afetam diretamente o trabalho das marisqueiras, exigindo que elas adaptem suas técnicas e reforcem o cuidado no manejo. Apesar dessas dificuldades, Sueli continua firme no seu trabalho, mostrando a habilidade e a experiência que desenvolveu ao longo dos anos. Ela permanece dedicada ao ofício que lhe foi transmitido por gerações, mantendo viva a tradição e o sustento da comunidade local.

Jovem marisqueira, sobrinha de Sueli, que acompanha a tia na pesca de gaiola, se preparando para a saída da canoa






Marisqueiras catando Siri
As mulheres que não possuem e/ou não governam canoas, trabalham com o Siri de ganho. A expressão se refere a catagem do Siri. Como a quantidade de Siri pescado é bem grande nas gaiolas, é necessário dividir o trabalho entre os que pescam e os que beneficiam, para que o marisco seja rapidamente armazenado. Assim, a maioria das mulheres dessa região que estão envolvidas na pesca, tem como atividade principal a catagem do Siri. Sejam eles vindos de seus maridos, pais e filhos, ou para outros pescadores e pescadoras que pescam o Siri de gaiola e as paga pelo quilo catado. A inserção da tecnologia das gaiolas, trouxe a divisão do trabalho majoritariamente estabelecida pelo gênero em que homens pescam e mulheres catam, porém, tais papeis não estão rigidamente estabelecidos e como no caso de Sueli, podem ser transpassados.


Moqueca de Sururu

Sururus e Ostras pescados no mangue
A Moqueca de Sururu é um prato típico e muito consumido pelas famílias da região. Feito com o Sururu, pimentões, tomates, cebolas, leite de coco e azeite de dendê, o prato carrega a produção da agricultura local e a principal espécie consumida pelas famílias de pescadores da comunidade que é o Sururu.
Tirando o Sururu
A História de Maria Angélica - Gel, é a história de muitas mulheres da região que na feitura de receitas como a moqueca de Sururu eternizam os saberes e fazeres ancestrais da alimentação de sua comunidade e seus modos de vida.
Desde jovem, Maria Angélica aprendeu com sua mãe e avó a arte de coletar mariscos como sururu e ostras, atividade que exige habilidade e conhecimento das marés e dos manguezais. A mariscagem em Santiago do Iguape não é apenas uma atividade econômica é também uma tradição cultural profundamente enraizada na comunidade. As marisqueiras, como Maria Angélica, desempenham um papel crucial na preservação desse patrimônio, transmitindo conhecimentos e práticas de geração em geração.
O trabalho de Maria Angélica e de outras marisqueiras é árduo e muitas vezes invisível. Elas enfrentam longas jornadas nas águas e lamas dos manguezais, expostas a condições adversas e sem o reconhecimento adequado. A história de Maria Angélica é um exemplo de resistência e amor pela sua terra e sua cultura. Sua vida dedicada à mariscagem não é apenas uma história de sobrevivência, mas também de preservação de uma tradição que é a essência da comunidade de Santiago do Iguape.

Maria Angélica mariscando sururu no mangue
Escaldando Ostra com Noca - Comunidade Engenho da Praia e Pegando Sururu com Selma, Uka, Mayane e Jaqueline - Comunidade Engenho da Ponte

Marisqueiras curvadas mariscando no manguezal
Saúde da Mulher Marisqueira
A mariscagem no mangue é um trabalho duro, que exige muito esforço físico, muitas horas submersas nas águas frias e na lama, posições curvadas por muito tempo, e esforços repetitivos no beneficiamento dos mariscos. Tudo isso acarreta grandes consequências à Saúde das mulheres marisqueiras, que em sua maioria aposentam-se da ida ao mangue, não por idade, mas por danos à seus corpos que as impedem de continuar a ir. Em muitos casos, não conseguem a aposentadoria por invalidez pelo INSS, por falta de documentação, falta de informação e até mesmo preconceito legislativo e institucional que não consideravam a pesca artesanal feminina como atividade profissional até 2009. E atualmente ainda as tratam muitas vezes, com desrespeito, preconceito e descaso com suas condições.
Além da necessidade de uma nova forma de sobrevivência, essas mulheres precisam também reinventar seus vínculos com o mangue e os mariscos, já que tal atividade vai muito além de uma mera atividade de subsistência, mas se relaciona com sua identidade, seu modo de vida, sua história e seus vínculos afetivos com o manguezal. A história de Dona Adenildes é um exemplo entre muitas histórias dessas mulheres.


Memórias do Lugar
As memórias alegram essas mulheres, relembrando aventuras, alegrias, que vivenciavam no mangue, com suas amigas e parentes. Tais lembranças também alimentam seu amor pelo manguezal- cenário de tantas alegrias, e a mariscagem - garantia alimentar que lhes deu força e coragem para sobreviver às adversidades. Histórias que também trazem as dificuldades sofridas em uma vida de poucos recursos financeiros, e a violência do mundo através da desigualdade social, falta de acesso e desrespeito ambiental aos seus territórios. Assim, as histórias de Tia Calô e Antônia retratam o amor pelo mangue e as dificuldades e alegrias dese viver nele e dele.


Artesanatos feitos com conhas por Dona Adenildes
Dona Adenildes é uma marisqueira quilombola que marisca desde os 7 anos de idade com sua mãe, com quem aprendeu a arte de pescar siri, e todos os segredos do ofício. Por anos, passava noites, lançando suas linhas no mar, puxando com precisão os siris que se enredavam nelas. Era um trabalho árduo, mas que ela fazia com paixão e dedicação, sustentando sua família e alimentando a comunidade com os frutos de seu trabalho.
No entanto, com o passar do tempo, Adenildes começou a sentir algo diferente em seu corpo. As dores nos ossos, que antes apareciam de vez em quando, tornaram-se mais frequentes e intensas. O esforço repetido de lançar as linhas começou a cobrar seu preço. As noites de descanso já não eram suficientes para aliviar as dores, e Adenildes percebeu que sua jornada no mar estava chegando ao fim. Aceitar essa realidade foi um dos maiores desafios de sua vida. Como poderia se afastar do mar, que sempre foi seu companheiro fiel?
Mas Adenildes não era alguém que se deixava abater facilmente. Com a mesma força e resiliência que a fizeram uma grande pescadora, ela decidiu reinventar-se. Lembrando das antigas histórias que sua avó contava, Adenildes começou a se dedicar ao artesanato. Suas mãos, antes habituadas às linhas de pesca, agora manuseavam agulhas e linhas de bordado com a mesma precisão. Ela começou a criar belas peças bordadas, bonecas de conchinha e tartaruga de conchinha, retratando cenas do mar que tanto amava. Embora Adenildes não pudesse mais pescar siri como antes, ela descobriu uma nova maneira de continuar conectada ao mar e à sua identidade. Ela transformou a dor em arte, a dificuldade em uma nova oportunidade, e assim, sua história de vida se tornou um exemplo de força, adaptação e amor pelas raízes. E assim, Adenildes Menezes, continuou a brilhar, mostrando que, mesmo diante das adversidades, é possível reinventar-se e encontrar novas formas de viver e de amar aquilo que nos define.
Tia Calô sempre foi uma mulher dedicada e de muita garra. Nascida e criada em Santiago do Iguape, um pequeno vilarejo à beira do Rio Paraguaçu, ela cresceu entre as águas e o manguezal, onde o marisco era mais que um meio de sustento — era parte da cultura e da identidade do lugar. Desde muito jovem, Tia sabia que queria fazer mais pelo povo de sua comunidade. Em 1967, até 1992 já com uma vasta experiência de vida, decidiu seguir um caminho diferente: tornou-se professora. A pequena escola da comunidade não tinha muitos recursos, mas isso nunca foi um obstáculo para Tia. Com um sorriso no rosto e uma força incansável, ela ensinava às crianças e jovens do vilarejo tudo o que sabia. O básico da leitura e escrita, matemática e também a importância da sua cultura e raízes. As aulas iam além dos livros — ela falava sobre o respeito à natureza, sobre a tradição de mariscar e a vida simples, mas rica, que o mangue proporciona.
Por alguns anos, Tia se dedicou à educação, mas sabia que os desafios da comunidade iam além das paredes da escola. As condições de vida eram difíceis, e muitos jovens tinham que deixar os estudos para ajudar as famílias na mariscagem ou em outros trabalhos pesados.Quando viu que o trabalho na sala de aula já não conseguia alcançar tantos quanto gostaria, Tia Calô tomou outra decisão ousada: resolveu abrir um pequeno comércio. O objetivo era simples — vender os produtos da própria terra, principalmente o marisco e outros frutos do mar, que ela mesma e outras mulheres da região coletavam. Esse comércio foi mais que uma fonte de renda; tornou-se um ponto de encontro e fortalecimento da economia local. O empreendimento foi crescendo, e Tia, com sua visão, conseguiu atrair clientes de outras regiões. Ela incentivava outras marisqueiras a comercializar seus produtos ali, criando uma rede de apoio entre as mulheres da comunidade. Além de marisco, o comércio oferecia frutas, legumes e outros produtos locais, todos cultivados pelas mãos trabalhadoras do povo de Santiago do Iguape. Hoje, Tia Calô é lembrada como uma mulher de coragem, que ensinou até onde pôde . Seu legado é muito mais que o comércio que criou; é a força de uma comunidade que aprendeu com ela a valorizar o que tem e a nunca desistir, mesmo diante das adversidades.

Igreja Matriz de Santiago do Iguape
Antônia é uma mulher de força e determinação. Nasceu e cresceu em um pequeno vilarejo na Bahia chamado Santiago do Iguape, onde a maré é mais do que uma simples mudança nas águas — é o ritmo que dita a vida. Desde menina, ela acompanhava seu pai e sua mãe, um pescador experiente, nas jornadas ao mangue, onde aprenderia a capturar mariscos e a pescar camarões e peixes com redes grandes. Com o tempo, Antônia foi trabalhar fora da comunidade devido a dificuldade de emprego. Acabou trabalhando em casa de família até quando teve que voltar, grávida da sua primeira filha, para criá-la com a mariscagem.
Quando a maré chega, trazendo consigo a promessa de uma boa pesca, Antônia se apressa, com destreza, ela lança a rede grande nas águas, sabendo exatamente onde os camarões se escondem e onde os peixes nadam. No entanto, a maré nem sempre é constante. Às vezes, as comportas da barragem Pedra do Cavalo são abertas, liberando uma grande quantidade de água doce que se mistura com a água do mar. Esse fluxo inesperado pode atrapalhar a pesca, dispersando os cardumes e afastando os camarões para locais mais difíceis de alcançar. Essa interferência da barragem é um desafio adicional que Antônia precisa enfrentar. O volume de água doce altera o equilíbrio do ambiente, e os peixes, sensíveis a essas mudanças, se tornam mais difíceis de capturar. Mas Antônia, com sua sabedoria acumulada ao longo dos anos, aprendeu a se adaptar. Ela sabe que, nesses momentos, a pesca exigirá ainda mais paciência e estratégia. Talvez precise esperar um pouco mais, ajustar o tempo de lançamento das redes ou até buscar outros pontos mais afastados, onde a influência da barragem seja menor. Apesar desses obstáculos, Antônia nunca se deixa abater. A conexão que tem com as marés e o conhecimento profundo dos segredos das águas lhe permitem enfrentar até as condições mais adversas. E mesmo quando a barragem interfere, ela encontra uma forma de garantir o sustento, não apenas para si, mas também para seus filhos. Antônia Ribeira continua a ser uma figura respeitada, não apenas por sua habilidade, mas pela resiliência com que encara as dificuldades. A vida no vilarejo é marcada por esses desafios, mas também pela força daqueles que, como Antônia, nunca desistem, mantendo viva a tradição da pesca artesanal, mesmo em tempos de mudança.
