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Foto 42 - Samburá.JPG
Técnicas

Técnicas e ferramentas tradicionais do Pescar e Polvejar em Barra Grande

Polvejar é o verbo utilizado por elas para designar a ação de pescar o polvo. Porém, não se trata apenas do ato de capturá-lo, este é denominado ferrar o polvo, já que é com um ferro comprido de ponta arredondada chamado bicheiro, que elas capturam o animal.

Polvejar inclui todo o fazer com relação à captura, que envolve caminhar pelos recifes de corais, reconhecer seus buracos, cutucar o buraco, ferrar o polvo, ou usar outro polvo na porta do buraco para atraí-lo. Nesse caso, acompanha-se um assobio que, conforme me explicaram, é o som que fazem entre eles, e que os atraem para fora de suas casas.

Marlita - Pescadora / Tirando polvo

Para polvejar também é preciso conhecer as luas e marés. Como me explicou Chica, as luas Nova e Cheia, são as luas certas. Nelas a maré enche e seca bastante expondo os recifes de corais e seus buracos. Lia também me disse, que nessas luas, a maré seca está pela manhã, então, é possível pegar os polvos cedo. Em outras luas, crescente e minguante, a maré seca é pela tarde, e o sol está muito quente para caminhar sobre arrecifes, como elas chamam.

Chica - Pescadora / Explicando a maré

Dentro deste ciclo pesca-se o polvo apenas entre 4 e 5 dias por lua. Terceiro lançamento, entre véspera, véspera, dia de lua (Cheia ou Nova) e no máximo maré igual, são os dias bons de polvejar, entre esse período e o próximo passam-se 10 dias de maré morta, em que não se pega polvo.

A maré de quebra ou maré morta, como me explicou Marlita, é quando as ondas estão quebrando, e fica muito difícil encontrar os polvos e os buracos, já que como ela me mostrou se identifica a casa de um polvo pela areia e pedaços de caranguejos e conchas que eles deixam na entrada de seus buracos. Pessoalmente não consegui identificar esses buracos, mas elas tinham certa exatidão nos buracos que paravam para enfiar os bicheiros. A habilidade de identificar um buraco habitado por polvo, trata-se de um saber constituído a partir de uma larga experiência na observação desses buracos.

Assim, nos dias certos, elas se preparam e saem cedo para polvejar. Em geral vão em quadriciclos, e escolhem entre os mais de 10 pesqueiros de recifes de corais que existem ao longo da costa de Barra Grande.

A escolha para o recife envolve as experiências da última pescaria, e os comentários compartilhados entre elas de onde havia ou não polvo na última maré.

É comum elas deixarem polvos pequenos em seus buracos para serem ferrados na próxima maré, então quando acontece de na maré anterior terem passado por um recife em que deixaram vários polvos pequenos, na próxima maré vão até lá ver se já cresceram. Nos dias seguintes, compartilham entre si, se a pescaria estava boa em tal recife, que fulana pegou muito polvo em outro e assim vão se decidindo para onde vão a cada dia.

Durante os 4 ou 5 dias de pescaria elas vão todos os dias, e durante esses dias. Saem entre 6 e 8 horas a depender do horário que a maré estará seca. Consultam a internet para saber a hora da maré e então vão por volta de 1 hora antes da maré secar e permanecem ali entre 3 e 4 horas polvejando.

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O buraco do polvo

Essas horas que permanecem ali, caminham incessantemente pelos corais, futucam os buracos que acreditam ter polvos, e na medida que os vão ferrando, vão os acumulando em um arame.

Ao longo do polvejar, quando estive com elas, elas me mostravam muitos buracos de polvo, os quais ou eram buracos de polvos pequenos e que marcariam o local para retornarem dali a 1 ou duas marés; ou era um buraco que havia polvo “morando”, mas que não estava ali na hora e que então no dia seguinte voltariam para buscar. Nesse caso, elas costumam ficar bem atentas ao redor, e aconteceu várias vezes de encontrar o polvo ali próximo, fora do buraco, e então é ainda mais fácil ferrá-lo.

Caminhando nos corais

Como Miracy me contou, quando isso acontece é porque saíram para passear ou buscar comida. Quando podem escolher ferram o polvo em um de seus raios (tentáculos), pois quando se rasga o polvo, ou seja, ferra ele no corpo, ele fica manchado. Porém, quando o polvo está no buraco, não se pode escolher onde ferrá-lo. Marlita me disse uma vez que quando se vê o buraco do polvo, há que enfiar o bicheiro de uma vez só e ferrá-lo, se não conseguir ferrá-lo de primeira, ele se esconde e gruda nas pedras por dentro do buraco e aí é muito difícil capturá-lo.

Nesse caso, guardam na memória o local e no dia seguinte ou na próxima maré retornam para tentar pegá-lo de surpresa.

Quando se ferra o polvo, elas usam um primeiro bicheiro para ferrá-lo e depois outro para fazer um gancho e puxá-lo para fora do buraco. Ao ser tirado do buraco, o polvo solta uma tinta preta, na vã tentativa de fugir, se debate e se enrola nas mãos da pescadora, que o enfia em seu arame, lava suas mãos e segue caminhando em busca de outro polvo.

O polvo na bacia

Um dia de boa pesca seria em torno de 8 polvos, a pesca normal está em torno de 4 a 5 polvos que resultam em aproximadamente 1 kg. Cada kg é vendido já tratado a R$60,00, para pousadas e restaurantes da própria região. Conforme me afirmou Jacira:

“Não fica polvo sem vender não!”

A demanda de polvos é muito maior do que a oferta, assim o resto é comprado em outras cidades como Camamu, Ilhéus e Boipeba para atender as demandas dos hotéis e restaurantes.

Liacy diz que na baixa, pega-se polvos melhores. Ela quer dizer que na área mais alagada, mais profunda, é onde estão os polvos maiores. Porém, para pegá-los é preciso mergulhar, e é aí que elas perdem na disputa contra mergulhadores, moradores homens e turistas, que mergulham e pegam os polvos grandes antes que eles cheguem aos recifes de corais.

Ao mesmo tempo, existe um senso comum da imoralidade de pegar polvos muito pequenos, suas explicações variam entre não valer a pena, nem para venda, nem para consumo, e/ou a relação de respeito com aquela vida, e o desejo de deixá-la crescer e se reproduzir primeiro. Sabe-se que a sabedoria popular possui grande responsabilidade na preservação dos habitats dos quais e nos quais vivem.

A ritualidade bastante discreta se mostra também, na primeira pescaria, seja do polvo ou dos peixes pescados em mar aberto. Chica e Lia contam que ao pegar o primeiro pescado pronunciam baixinho: 

“Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo! E para sempre seja louvado, e nossa mãe Maria santíssima!”

Chica - Pescadora / Se benzer para pescar

Isso, Chica conta, que não aprendeu com seus pais, mas com um senhor pescador, Apriginho, que as acompanhava às vezes nas pescarias de lancha. Lia conta: 

“Toda vez que a gente ia pescar que a gente pegava o primeiro peixe, a gente já louvava logo!”

E Chica complementa:

 “A gente tem que agradecer também, mesmo que a gente não pesque nada, a gente tem que agradecer: - Obrigado senhor pela pescaria!”

A dificuldade em pegá-los aumenta, já que existem cada vez mais mergulhadores e menos polvos nos corais. Mas ainda assim, elas seguem mantendo sua tradição de polvejar, e não se rendem a outras técnicas modernas de pescaria como o mergulho para estarem em uma disputa mais equilibrada. A quantidade pescada não importa tanto quanto a atividade em seu todo. Estar em família, no caso de algumas, ou estar só no caso de Jacira, caminhando pelos recifes de corais, buscando o polvo, em uma aventura de descobrir, de observar, de conseguir ferrar e puxar, de mostrar a pescaria e contar sobre seus feitos, vale mais que os quilos contados.

Lia - Pescadora/ Limpando o Polvo

Apesar de irem juntas, exceto Jacira que prefere ir sozinha, as polveiras tem certa conduta nos recifes de corais, pequenos grupos de 2 ou três direcionam-se para cada agrupamento de corais, sendo que as mais velhas costumam ficar nos mais próximos e as mais jovens caminham mais para chegarem aos conjuntos de recifes de corais mais afastados do ponto de parada.

Assim, elas mantêm certo espaço de pescaria entre elas para que cada uma possa pegar o seu, mas ao mesmo tempo, estão próximas para ajudas e trocas.

Quando a maré começa a secar, cerca de 3 horas depois, elas começam a se direcionar para o ponto de chegada, aos poucos vão se reagrupando, em meio a comentários jocosos das pescarias de uma e outra, e comentários indignados sobre situações desagradáveis com outros pescadores (em geral homens), mergulhadores ou turistas. Essas queixas são frequentes, e mostram a luta diária dessas mulheres para garantirem seus espaços na pescaria e seus modos de vida.

Ao chegarem nos quadriciclos, bebem água, que levam na mochila, mas que raramente bebem nos corais, guardam os polvos em uma sacola plástica, e se preparam para partir, despedindo-se, e entre as que pescam na ponte, já marcando a pescaria pela tarde.

Pescar na Ponte

Pescando na ponte

A pesca na ponte pode acontecer todos os dias. Este tipo de pesca, diferente da pesca do polvo, não depende das luas e marés. Porém, como me explicou Lia, no dia de lua cheia, quando a maré está secando, a força da água é muito grande, e não permite que a chumbada se assente bem, tornando a pescaria mais difícil.

Em geral, por volta das 16 horas, elas chegam, também em grupo, carregando suas varinhas e seus samburás. A área em volta da ponte (píer de embarque e desembarque), possui muitos restaurantes e bares a beira mar, e para os que estão por ali sentados (especialmente turistas), a cena parece cinematográfica, muitas senhoras, com suas varinhas e seus chapéus, juntas, caminham até a metade da ponte e sentam-se nas laterais colocando seus anzóis dentro da água.

Elas chegam conversando, brincando com os passantes e acomodam-se confortavelmente como se estivessem em casa. Em geral levam um pedaço de papelão que colocam para sentarem-se sem sujar suas roupas. Sentam-se uma ao lado da outra, com seus anzóis já encastoados, que quer dizer já presos à vara pela linha, colocam suas iscas e baixam-nas até a água cerca de 1 metro de profundidade e esperam.

Samburá

Para a pescaria na ponte é necessária 1 vara que atualmente é comprada, pela comodidade, mas que durante muito tempo foi produzida com o cajueiro do mato. Lia relembra:

“Papai sempre fazia com cajueiro do mato, agora que tá mais fácil porque vende né?!Mas antes a gente fazia tudo assim.”

Além da vara, elas levam anzóis, que possuem tamanhos diferentes conforme a espécie que desejam pescar. Em geral, para a ponte utiliza-se um anzol 4, que, como me explicou Chica, serve para pegar as espécies mais comuns dali, como a Cioba, assim como a chumbada que também, para ponte, deve ser pequena. Chumbadas maiores servem para pescar nos arrecifes, pois estão mais suscetíveis aos movimentos da onda, e na costa (mar aberto), onde pega-se peixes maiores e em maior profundidade.

É comum levarem anzóis, chumbadas e linhas extras já que frequentemente seus anzóis se prendem a pneus e outros lixos que se acumulam no mar embaixo da ponte.

Como isca, elas usam camarão que compram, ou podem usar restos de outros peixes, ou até mesmo frango. Carregam-nas em um sacola que fica dentro do samburá, espécie de cesto de cipó, onde vão colocar os peixes pescados naquele dia.

Foto 43 -Chica pescando com o samburá.JPG

Pescando na ponte

Chica pescando com o samburá

Ao longo da pescaria, elas conversam entre elas e com os peixes, mas também com barcos que se aproximam querendo invadir seus espaços de pescaria, com turistas curiosos que passam e se interessam, com moradores que as cumprimentam e muitas vezes fazem uma brincadeira ou outra:

Tá conseguindo pegar alguma coisa aí?”

“Quero ver esse samburá cheio, suas pescadoras de meia tigela!”

Algumas brincadeiras, principalmente feitas por moradores, homens, mais jovens, costumam ser um tanto preconceituosas ou desrespeitosas, porém, elas não se deixam afetar, em geral respondem com respeito, mas firmeza, e seguem sua pescaria seguras de que sabem o que fazem.

O peixe na bacia

É certamente um jogo de interesse bastante complexo entre o turismo (embarque e desembarque de lanchas), as pescadoras dali e os pescadores de fora com suas redes, disputando o mesmo espaço – píer/ponte/mar, em suas diferentes apropriações.

Além disso, outras modernidades também disputam lugar na ponte. Muitos turistas e moradores que vieram de fora- “gringos”- como elas dizem, costumam pescar na ponte esporadicamente. Porém, utilizam iscas artificiais, que conforme elas me explicaram, atraem mais peixes do que as iscas naturais. Mas ainda assim, elas resistem a comprar iscas artificiais, na intenção de manterem seus saberes e fazeres como aprenderam.

Pescadora / Ensinando a limpar o peixe

De todas as pescadoras que conheci em Barra Grande, todas pegam polvo, mas apenas aproximadamente metade delas pesca na ponte. Como Maria Inês mencionou na roda de conversa, ela só pega polvo, porque tem um desafio ali, para ela a sensação é de um quebra cabeça, achar ele no meio do coral, é mais desafiador, instigante.

A pesca na ponte demanda paciência, e diferente da pesca do polvo que é vista como uma aventura ou desafio, a pesca na ponte é comumente descrita pelas pescadoras que não a praticam como algo chato e entediante.

Porém, as que pescam na ponte, afirmam ser a sua terapia. Sentadas ali, cerca de 2 a 3 horas, vêem o anoitecer, todos os dias juntas. Bem próximas e paradas, elas têm oportunidade de compartilhar suas questões familiares, seus anzóis, iscas  e linhas, suas descobertas, trocam ajudas mútuas e riem, riem muito enquanto brincam e debocham umas das outras.

Pescando na ponte

Entre o mar e o continente, a ponte parece representar um lugar seguro. É nesse “não lugar”, entre o mar e a terra, entre o passado e o presente, entre a pescaria e as outras funções de cuidado relegadas às mulheres, em que essas mulheres permanecem e encontram conforto e segurança em seu grupo e em seu modo de vida pesqueiro.

Beneficiar e comercializar

Em um dia combinado, elas mostravam como limpavam o peixe e o polvo, Lia limpou alguns polvos: Virava a cabeça ao contrário e com uma faca tirava os miúdos e depois fazia um corte retirando os olhos e o dente. Como elas contaram o polvo só tem um dente, mas morde e dói muito sua mordida.

Lia mencionou que enterra tudo o que retira do polvo. Assim como Chica, elas explicam que isso evita bichos e moscas no lixo, e também aduba a terra.

A limpeza do Polvo é rápida e não parece muito complicada, em cerca de 10 minutos Lia limpou 5 polvos, 3 dela e 2 de Chica. E então mostrou como ensacar e pesar. Ela disse que em média 4 polvos pesam cerca de 1kg, mas que às vezes até só 1 polvo pode chegar a 1 kg, se for bem grande.

Em seguida, Chica começou a limpar os peixes, colocou todos em uma bacia, junto a seus apetrechos: uma tesoura especial para tirar as nadadeiras, um escamador e uma faca. Ela ia mostrando os tipos de peixe:

“Ó aqui tem Carapeba, Guaricema pequena que é a Chumberga, Saramunete…”

E depois de cortar todas as nadadeiras, começou a escamar. Lia complementava dizendo que hoje em dia vendem descamadores, mas que ela já fez até de madeira e prego. O mesmo disse sobre a varinha de pescar, que atualmente se vende, inclusive na loja de sua filha, mas que seu pai a ensinou com Cajueiro do mato, uma árvore muito resistente da região, a qual seu pai sempre utilizou e as ensinou na pescaria.

Tiradas as escamas, Chica tirava com a faca os ferrões de uma espécie, barbudo que possui ferrões nas laterais. Por fim, fazia um corte abaixo das guelras e retirava os miúdos, tudo isso era feito entremeado a lavagens rápidas na água que estava na mesma bacia. Depois de todos os peixes limpos, Chica separou a água com miúdos e disse que iria enterrar, e lavou novamente os peixes em água corrente da pia antes de ensacá-los e pesá-los. Como não tinha um kg completo, explicou que na próxima pescaria iria completar aquele kg. Era um kg de peixes misturados, e Chica nos explicou que vendia assim mesmo, já que vendia para a própria comunidade se alimentar. Para restaurantes não. Restaurantes só compram peixes grandes e de mesma espécie para fazer fritos e moquecas. Assim, o comércio de peixes pequenos acontece entre comunidade residente, e não atende às demandas turísticas da região. De certa forma, essas mulheres seguem alimentando sua comunidade, e resistindo frente às diversas investidas predatórias do turismo.

Lia e Miracy
Loloca Bené e Marisa
Chica
Jacyra
Técnicas
Foto 42 - Samburá.JPG
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